No seguimento do artigo sobre PLANEAMENTO E PERIODIZAÇÃO DO TREINO, abordo agora um pouco mais da teoria que suporta o ato de planear e prescrever treino desportivo.
Como referido, o planeamento é o processo organizado do desenvolvimento da preparação das capacidades físicas dos atletas, para que estes evoluam de uma forma progressiva e controlada, permitindo obter melhores resultados desportivos. Este processo engloba um conjunto de sistemas interelacionados entre si, com vista à formação e preparação do atleta a médio/longo prazo. Todo o planeamento da época desportiva tem uma influência bastante significativa em fatores como a prolongação da carreira desportiva do atleta e a manutenção da sua saúde (Matvéiev, 1990). A aplicação e sistematização de cargas e processo de treino, devidamente distribuídas ao longo de toda a época desportiva, tenta, desta forma ir de encontro aos objetivos pessoais dos atletas e dos seus treinadores (Raposo, 2019).
A "simples" tarefa de planear deve ser composta pelo seguinte conjunto de atividades:
Tudo isto é feito durante o contínuo processo do treino, onde o treinador, depois de planear, programar e aplicar as cargas de treino, tem um papel contínuo, onde é fundamental observar, analisar, concluir e tomar decisões sobre o treino que se segue, podendo ter de adaptar o planeamento e as cargas de treino. Ou seja, o planeamento não é um processo fechado que se realiza e se conclui no início da época desportiva, mas sim o encadeamento de uma sequência lógica de tarefas. Estas tarefas ao longo do tempo podem ser alvo de adaptações, fruto da resposta do atleta à assimilação dos efeitos do treino, a possíveis mudanças no calendário competitivo ou devido a lesões.
De forma a organizar os processos de treino e a caracterizar as diversas fases do planeamento, estas receberam designações específicas. Desde os grandes ciclos anuais (macrociclos), semestrais/mensais (mesociclos) aos pequenos ciclos de treino (microciclos). Estes últimos são a conjugação das diversas unidades de treino, distribuídas pelos dias da semana (Matvéiev, 1990).
Começando pelo macrociclo, esta é a estrutura com maior duração temporal do planeamento do treino. É "uma parte do plano de expetativas desportivas que se compõe pelos períodos de treino, competição e recuperação, executados dentro de uma temporada, com o objetivo de levar o desportista ou a equipa a um nível de rendimento que os capacite para realizar as exigências especiais da modalidade desportiva nas competições eleitas dentro de uma planificação de treino feita previamente" (Dantas, 2012, p.45).
O objetivo do macrociclo é orientar o desportista a atingir o seu pico de forma numa ou em várias fases da época. Num planeamento anual de treino, pode existir um ou mais macrociclos, dependendo do tipo de periodização (simples, dupla, tripla ou tetracíclica). Dependendo do tipo de metodologia, esta estrutura pode ser composta pelos períodos de preparação, competitivo e transitório (periodização clássica), ou por blocos de treino de carga concentrada (periodização contemporânea). Estes períodos/blocos de treino determinam as fases de aquisição, manutenção ou perda da forma desportiva.
O mesociclo é uma estrutura integrante do macrociclo, sendo uma forma de estruturação do treino. Assim, o mesociclo permite a adequada condução do efeito cumulativo de um conjunto de 3 a 6 microciclos.
A distribuição dos mesociclos ao longo da época tem como objetivos evitar que o atleta entre em sobretreino, distribuindo os conteúdos do treino de forma lógica ao longo do macrociclo para potenciar a evolução das capacidades físicas do atleta. Estes permitem (Raposo, 2019):
Os mesociclos são modificáveis e podem adaptar-se em função do quadro competitivo, das condições de regeneração e recuperação do organismo, dos intervalos entre as competições, etc.
Estas estruturas, também dependendo do tipo de metodologia utilizada, têm denominações distintas. Para a periodização clássica temos:
No modelo contemporâneo, Issurin (2008) descreve os mesociclos da periodização ATR, da seguinte forma:
Quanto aos microciclos, estes constituem a microestrutura dos sistemas de periodização, correspondendo ao conjunto das sessões de treino que formam o elo unificador do processo de preparação desportiva dos atletas a curto e médio prazo. É uma estrutura geralmente semanal, de forma a permitir encaixar facilmente na dinâmica do ritmo da semana de trabalho e estudo dos atletas. Organizam-se de acordo com as características das etapas e períodos do processo de treino, sendo estes os elementos mais variáveis da estrutura do treino. Combina unidades de treino de estímulo e de recuperação, criando as condições necessárias para a ocorrência do fenómeno da supercompensação e a melhoria do nível de condição física do desportista.
A estrutura do microciclo é definida pelo número e características das sessões de treino, pela magnitude da sua carga, e pela ordem em que são aplicadas as cargas. De acordo com a bibliografia analisada, parece existir neste aspeto em particular alguma semelhança nos vários tipos de microciclo dos modelos de periodização clássica e contemporânea, com objetivos semelhantes:
Apesar de existirem outros autores com designações distintas para os microciclos, estes refletem de forma muito semelhante os mesmos objetivos gerais. Portanto, ao definir-se a estrutura de um microciclo, primeiro tem de se saber a disponibilidade do atleta para treinar, as necessidades do atleta e a fase de preparação em que este se encontra, de forma a conseguir programar as cargas de treino para permitir que o atleta ao realizar os exercícios propostos consiga melhorar o seu rendimento como esperado.
Por fim, resta-nos a unidade de treino, que é o elemento de ligação de todo o sistema de preparação do atleta. Através de aplicação efetiva dos exercícios propostos nesta, o atleta irá desenvolver diversas adaptações fisiológicas, dependentes da capacidade de resposta do seu organismo à magnitude das cargas.
O treinador, ao planear uma sessão de treino, deve ter em conta qual o objetivo pretendido para cada fase do processo de treino. E é, através dos exercícios propostos em cada unidade de treino, e tendo em conta as necessidades de estimulo-recuperação, que o atleta irá progredindo e assimilando o efeito das cargas de treino, de forma a melhorar progressivamente as suas capacidades físicas e volitivas.
Raposo (2019), refere três tipos de sessões/unidades de treino:
As sessões de desenvolvimento têm uma expressão qualitativa grande quanto à carga, provocando profundas modificações estruturais e funcionais a nível celular, sistémico e orgânico (Zhelyazkov, 2001, em Raposo, 2019). Estas sessões de desenvolvimento podem dividir-se em tipo I e tipo II. Enquanto as de tipo I dão principal atenção ao trabalho qualitativo tendo em conta a intensidade elevada das cargas de treino, as de tipo II apesar de manterem intensidades altas, mas abaixo das de tipo I, potenciam outro tipo de trabalho específico, como o da técnica e da tática.
As sessões de manutenção caracterizam-se por terem cargas médias, aplicadas em fases específicas da época, onde se pretende que o atleta não entre em destreino. Após realização deste tipo de sessões, o atleta demora entre 12 a 24 horas e recuperar (Raposo, 2019).
As sessões de recuperação têm uma função muito importante na aceleração e recuperação dos índices físicos do atleta após a realização de sessões de treino de desenvolvimento com cargas elevadas ou após as competições. Os exercícios recomendados para estas sessões são de cargas leves, como treino aeróbios contínuos, recursos a outras modalidades desportivas, podendo ainda estar associados a outros meios de recuperação, como a nutrição ou a fisioterapia (Raposo, 2019).
As sessões de treino, devem ser compostas por três partes sequenciais distintas, AQUECIMENTO para preparar as estruturas funcionais para a parte principal do treino, onde se irá aplicar cargas elevadas que terão um impacto significativo ao nível fisiológico no atleta, e por fim a fase de retorno à calma, onde se pretende que haja uma redução da carga para o atleta começar aí a fase de recuperação.
Portanto, este é todo um complexo teórico que dá suporte à planificação e periodização do treino de um atleta. Não deve ser encarado como uma regra absoluta, mas sim como uma base teórica modificável e adaptável a cada caso específico, devendo o treinador ter pensamento crítico para ajustar e adaptar a distribuição lógica das diversas cargas de treino ao longo da época desportiva.