Estruturas do planeamento do treino: macrociclo, mesociclo, microciclo e unidade de treino
28/02/2022

No seguimento do artigo sobre PLANEAMENTO E PERIODIZAÇÃO DO TREINO, abordo agora um pouco mais da teoria que suporta o ato de planear e prescrever treino desportivo.

Plano anual de treino de Bompa (Bompa & Haff, 2012, p. 141)

Como referido, o planeamento é o processo organizado do desenvolvimento da preparação das capacidades físicas dos atletas, para que estes evoluam de uma forma progressiva e controlada, permitindo obter melhores resultados desportivos. Este processo engloba um conjunto de sistemas interelacionados entre si, com vista à formação e preparação do atleta a médio/longo prazo. Todo o planeamento da época desportiva tem uma influência bastante significativa em fatores como a prolongação da carreira desportiva do atleta e a manutenção da sua saúde (Matvéiev, 1990). A aplicação e sistematização de cargas e processo de treino, devidamente distribuídas ao longo de toda a época desportiva, tenta, desta forma ir de encontro aos objetivos pessoais dos atletas e dos seus treinadores (Raposo, 2019).

A "simples" tarefa de planear deve ser composta pelo seguinte conjunto de atividades:

  • Planear
  • Programar
  • Aplicar
  • Observar
  • Analisar
  • Concluir
  • Tomar decisões

Tudo isto é feito durante o contínuo processo do treino, onde o treinador, depois de planear, programar e aplicar as cargas de treino, tem um papel contínuo, onde é fundamental observar, analisar, concluir e tomar decisões sobre o treino que se segue, podendo ter de adaptar o planeamento e as cargas de treino. Ou seja, o planeamento não é um processo fechado que se realiza e se conclui no início da época desportiva, mas sim o encadeamento de uma sequência lógica de tarefas. Estas tarefas ao longo do tempo podem ser alvo de adaptações, fruto da resposta do atleta à assimilação dos efeitos do treino, a possíveis mudanças no calendário competitivo ou devido a lesões.

De forma a organizar os processos de treino e a caracterizar as diversas fases do planeamento, estas receberam designações específicas. Desde os grandes ciclos anuais (macrociclos), semestrais/mensais (mesociclos) aos pequenos ciclos de treino (microciclos). Estes últimos são a conjugação das diversas unidades de treino, distribuídas pelos dias da semana (Matvéiev, 1990).

Periodização dupla, onde se pode observar a relação volume-intensidade e a curva de evolução da forma desportiva nos dois pontos altos da época. (Raposo, 2019, p.235)

Começando pelo macrociclo, esta é a estrutura com maior duração temporal do planeamento do treino. É "uma parte do plano de expetativas desportivas que se compõe pelos períodos de treino, competição e recuperação, executados dentro de uma temporada, com o objetivo de levar o desportista ou a equipa a um nível de rendimento que os capacite para realizar as exigências especiais da modalidade desportiva nas competições eleitas dentro de uma planificação de treino feita previamente" (Dantas, 2012, p.45).

O objetivo do macrociclo é orientar o desportista a atingir o seu pico de forma numa ou em várias fases da época. Num planeamento anual de treino, pode existir um ou mais macrociclos, dependendo do tipo de periodização (simples, dupla, tripla ou tetracíclica). Dependendo do tipo de metodologia, esta estrutura pode ser composta pelos períodos de preparação, competitivo e transitório (periodização clássica), ou por blocos de treino de carga concentrada (periodização contemporânea). Estes períodos/blocos de treino determinam as fases de aquisição, manutenção ou perda da forma desportiva.

O mesociclo é uma estrutura integrante do macrociclo, sendo uma forma de estruturação do treino. Assim, o mesociclo permite a adequada condução do efeito cumulativo de um conjunto de 3 a 6 microciclos.

A distribuição dos mesociclos ao longo da época tem como objetivos evitar que o atleta entre em sobretreino, distribuindo os conteúdos do treino de forma lógica ao longo do macrociclo para potenciar a evolução das capacidades físicas do atleta. Estes permitem (Raposo, 2019):

  • adequada condução do efeito somativo do conjunto dos microciclos;
  • permitem uma rápida evolução do nível do treino;
  • evitam possíveis crises nos processos de adaptação;
  • permitem conjugar a organização da carga de forma a que as modificações adaptativas nos vários níveis morfofuncionais não ocorram simultaneamente.

Os mesociclos são modificáveis e podem adaptar-se em função do quadro competitivo, das condições de regeneração e recuperação do organismo, dos intervalos entre as competições, etc.

Estas estruturas, também dependendo do tipo de metodologia utilizada, têm denominações distintas. Para a periodização clássica temos:

  • Mesociclo gradual ou introdutório: é geralmente aplicado no início da época e tem como objetivo preparar os atletas de forma progressiva, para que estes possam suportar as cargas de treino específicas. O seu treino consiste na melhoria da potência máxima e da resistência aeróbia, através de um volume de treino preparatório geral com maior prevalência de treino de força, velocidade e flexibilidade e reduzido volume de treino específico;
  • Exemplo de percentagem de carga de trabalho em cada microciclo do mesociclo introdutório (Dantas, 2012, p. 58)
  • Mesociclo de base: tem como função melhorar as capacidades funcionais dos principais sistemas orgânicos e funcionais. Nesta estrutura, dá-se ênfase ao elevado volume e intensidade do treino com aumento da frequência de sessões fortes, obrigando a uma gestão do esforço através da divisão dos mesociclos em:
    • Mesociclo de desenvolvimento: neste mesociclo pressupõe-se que o atleta já realizou um trabalho prévio, que lhe permitirá passar para um nível superior de carga de treino geral ou específica;
    • Exemplo de percentagem de carga de trabalho em cada microciclo do mesociclo de base na fase preparatória básica (Dantas, 2012, p. 59)
    • Mesociclo de estabilização: este mesociclo caracteriza-se pela estabilização da progressão da carga de treino, permitindo que ocorram os respetivos processos adaptativos. Estes mesociclos alternam com os de desenvolvimento. Introduz-se geralmente no final da fase básica e da fase específica (Dantas, 2012).
    • Exemplo de percentagem de carga de trabalho em cada microciclo do mesociclo de base na fase preparatória específica (Dantas, 2012, p. 59)
  • Mesociclo pré-competitivo: situa-se na fase preparatória, imediatamente anterior à fase competitiva. Tendo como funções potenciar as adaptações específicas à competição
  • Exemplo de percentagem de carga de trabalho em cada microciclo do mesociclo de pré-competitivo (Dantas, 2012, p. 60)
  • Mesociclo competitivo: são aqueles que englobam a competição, variando a sua carga em função desta e da sua importância. Tem como objetivo preparar o atleta para estar nas suas melhores capacidades físicas no dia da competição. Este pode basear-se em 2 microciclos (introdução e competição) ou 3 microciclos (introdução, competição, recuperação), dependendo do volume de competições naquela fase. Tal como o microciclo de competição, a estrutura deste mesociclo depende das exigências da competição, sendo muito específico (Dantas, 2012);
  • Mesociclo de controlo ou preparação: tem como função avaliar o nível alcançado pelo atleta em condições de competição. São mesociclos de transição entre os de base e os de competição. Pode conter microciclos de treino e de competição. No entanto, referi que apesar da função muito especifica deste mesociclo, sempre que possível, a avaliação deve estar contemplada em todos os mesociclos e não em apenas um;
  • Exemplo de percentagem de carga de trabalho em cada microciclo do mesociclo de controlo (Dantas, 2012, p. 60)
  • Mesociclo de recuperação: utiliza-se no período de transição, e o seu objetivo é potenciar a recuperação metabólica e psicológica através da recuperação ativa;
  • Exemplo de percentagem de carga de trabalho em cada microciclo do mesociclo de recuperação (Dantas, 2012, p. 60)
  • Mesociclo adaptado ao ciclo menstrual: este mesociclo deve ser aplicado no planeamento das atletas do sexo feminino de desportos cíclicos (ciclismo, natação e corridas) quando estão em período de menstruação, devido às alterações hormonais (Zakharov & Gomes, 1992, em Dantas, 2012).

No modelo contemporâneo, Issurin (2008) descreve os mesociclos da periodização ATR, da seguinte forma:

  • Mesociclo de acumulação: neste mesociclo deve ser dado especial ênfase ao trabalho de força, que serve de base e ajuda a potenciar o posterior desenvolvimento de outras capacidades. Além disto, também deve ser dada muita importância ao trabalho aeróbio, de forma a melhorar os potenciais oxidativos e contráteis dos músculos. Este trabalho é compatível com trabalho de aperfeiçoamento técnico e correção de erros. De uma forma geral, este mesociclo inclui uma quantidade significativa de trabalho aeróbio e técnico, bem como o trabalho de força deve usar exercícios com cargas muito altas, de forma a causar adaptações neuromusculares potenciadoras do aumento da força;
  • Mesociclo de transformação: este mesociclo combina a melhoria simultânea das capacidades especificas e determinantes na competição. Em desportos cíclicos e de resistência, é a resistência aeróbia, anaeróbia e resistência de força. Nesta estrutura, o treino é de alta intensidade e volume, afeta a estabilidade e causa muita fadiga. Este tipo de mesociclo caracteriza-se por carga máxima e acumulação de fadiga, devendo uma parte do treino ser realizado sob fadiga;
  • Mesociclo de realização: neste mesociclo o objetivo principal é a preparação física integrada, incluindo geralmente trabalho de velocidade e tático, relacionado com a especificidade da competição. Nesta fase, o treino deve incluir exercícios anaeróbios aláticos, pois parece que este tipo de trabalho em atletas de elite, tem-se mostrado muito eficaz na potenciação da capacidade física específica para as competições. De forma a estimular as adaptações no organismo e as capacidades de velocidade, os atletas devem treinar sem estar sob grande efeito de fadiga.
Tipos de microciclo por cada fase da periodização do treino (Dantas, 2012, p.55)

Quanto aos microciclos, estes constituem a microestrutura dos sistemas de periodização, correspondendo ao conjunto das sessões de treino que formam o elo unificador do processo de preparação desportiva dos atletas a curto e médio prazo. É uma estrutura geralmente semanal, de forma a permitir encaixar facilmente na dinâmica do ritmo da semana de trabalho e estudo dos atletas. Organizam-se de acordo com as características das etapas e períodos do processo de treino, sendo estes os elementos mais variáveis da estrutura do treino. Combina unidades de treino de estímulo e de recuperação, criando as condições necessárias para a ocorrência do fenómeno da supercompensação e a melhoria do nível de condição física do desportista.

A estrutura do microciclo é definida pelo número e características das sessões de treino, pela magnitude da sua carga, e pela ordem em que são aplicadas as cargas. De acordo com a bibliografia analisada, parece existir neste aspeto em particular alguma semelhança nos vários tipos de microciclo dos modelos de periodização clássica e contemporânea, com objetivos semelhantes:

  • Microciclo de ajuste: é o microciclo específico à fase preparatória do treino e que visa preparar o organismo para os microciclos com cargas mais elevadas (também se pode denominar "microciclo de incorporação" ou "microciclo de desenvolvimento");
  • Exemplo de distribuição de cargas no microciclo de ajuste (Dantas 2012, p. 56)
  • Microciclo de carga: tem como objetivo melhor a capacidade de rendimento do atleta, tendo uma magnitude de carga média, sendo utilizados geralmente entre os microciclos de ajuste e de choque (também se pode denominar "microciclo ordinário");
  • Exemplo de distribuição de cargas no microciclo de carga (Dantas 2012, p. 56)
  • Microciclos de choque: são microciclos com aplicação de cargas muito fortes, com o objetivo de estimular as adaptações do organismo nas diversas capacidades físicas requeridas;
  • Exemplo de distribuição de cargas no microciclo de choque para o período preparatório (Dantas 2012, p. 56) Exemplo de distribuição de cargas no microciclo de choque para o período competitivo (Dantas 2012, p. 56)
  • Microciclos de recuperação: têm como objetivo a recuperação do atleta, de forma a favorecer a regeneração e prevenir sobretreino. São aplicados após os microciclos de choque e microciclos de competição;
  • Exemplo de distribuição de cargas no microciclo de recuperação (Dantas 2012, p. 57)
  • Microciclos de ativação: estes microciclos têm uma dinâmica de cargas muito específica, que têm como objetivo afinar a preparação do atleta de modo a poder competir nas melhores condições. No planeamento, encontram-se imediatamente antes dos microciclos de competição (também se pode denominar "microciclo pré-competitivo" ou "microciclo estabilizador");
  • Exemplo de distribuição de cargas no microciclo de ativação para uma prova longa (Dantas 2012, p. 57)
  • Microciclos de competição: são aqueles que integram a competição objetivo, onde a magnitude das cargas tem uma relação muito próxima com a recuperação, permitindo assim que seja potenciada a supercompensação para que o atleta esteja nas suas máximas capacidades físicas. Este microciclo não apresenta uma estrutura definida, pois é muito específico de acordo com a competição, devendo apenas ser levado em conta que todas as ações devem procurar que o atleta seja o mais eficaz possível no dia da competição (Dantas, 2012).

Apesar de existirem outros autores com designações distintas para os microciclos, estes refletem de forma muito semelhante os mesmos objetivos gerais. Portanto, ao definir-se a estrutura de um microciclo, primeiro tem de se saber a disponibilidade do atleta para treinar, as necessidades do atleta e a fase de preparação em que este se encontra, de forma a conseguir programar as cargas de treino para permitir que o atleta ao realizar os exercícios propostos consiga melhorar o seu rendimento como esperado.

Por fim, resta-nos a unidade de treino, que é o elemento de ligação de todo o sistema de preparação do atleta. Através de aplicação efetiva dos exercícios propostos nesta, o atleta irá desenvolver diversas adaptações fisiológicas, dependentes da capacidade de resposta do seu organismo à magnitude das cargas.

O treinador, ao planear uma sessão de treino, deve ter em conta qual o objetivo pretendido para cada fase do processo de treino. E é, através dos exercícios propostos em cada unidade de treino, e tendo em conta as necessidades de estimulo-recuperação, que o atleta irá progredindo e assimilando o efeito das cargas de treino, de forma a melhorar progressivamente as suas capacidades físicas e volitivas.

Raposo (2019), refere três tipos de sessões/unidades de treino:

  • Sessões de desenvolvimento;
  • Sessões de manutenção;
  • Sessões de recuperação.

As sessões de desenvolvimento têm uma expressão qualitativa grande quanto à carga, provocando profundas modificações estruturais e funcionais a nível celular, sistémico e orgânico (Zhelyazkov, 2001, em Raposo, 2019). Estas sessões de desenvolvimento podem dividir-se em tipo I e tipo II. Enquanto as de tipo I dão principal atenção ao trabalho qualitativo tendo em conta a intensidade elevada das cargas de treino, as de tipo II apesar de manterem intensidades altas, mas abaixo das de tipo I, potenciam outro tipo de trabalho específico, como o da técnica e da tática.

As sessões de manutenção caracterizam-se por terem cargas médias, aplicadas em fases específicas da época, onde se pretende que o atleta não entre em destreino. Após realização deste tipo de sessões, o atleta demora entre 12 a 24 horas e recuperar (Raposo, 2019).

As sessões de recuperação têm uma função muito importante na aceleração e recuperação dos índices físicos do atleta após a realização de sessões de treino de desenvolvimento com cargas elevadas ou após as competições. Os exercícios recomendados para estas sessões são de cargas leves, como treino aeróbios contínuos, recursos a outras modalidades desportivas, podendo ainda estar associados a outros meios de recuperação, como a nutrição ou a fisioterapia (Raposo, 2019).

As sessões de treino, devem ser compostas por três partes sequenciais distintas, AQUECIMENTO para preparar as estruturas funcionais para a parte principal do treino, onde se irá aplicar cargas elevadas que terão um impacto significativo ao nível fisiológico no atleta, e por fim a fase de retorno à calma, onde se pretende que haja uma redução da carga para o atleta começar aí a fase de recuperação.

Portanto, este é todo um complexo teórico que dá suporte à planificação e periodização do treino de um atleta. Não deve ser encarado como uma regra absoluta, mas sim como uma base teórica modificável e adaptável a cada caso específico, devendo o treinador ter pensamento crítico para ajustar e adaptar a distribuição lógica das diversas cargas de treino ao longo da época desportiva.

Referências:
  1. Bompa, T. O., & Haff, G. G. (2012). Periodização - Teoria e Metodologia do treinamento. Phorte Editora, São Paulo
  2. Dantas, E. H. M. (2012). La Práctica de la Preparación Física. Editorial PaidoTribo, Barcelona
  3. Issurin, V. (2008). Block Periodization - Breakthrough in Sports Training. UAC - Ultimate Athletre Concepts, Israel
  4. Matvéiev, L. P. (1990). O Processo do Treino Desportivo. Livros Horizonte, Lisboa
  5. Raposo, A. V. (2019). Planeamento do treino desportivo: fundamentos, organização e operacionalização. 2ª edição. Visão e Contextos, Lisboa
  6. Valdivielso, F. (2001). Modelos de planificácion según el deportista y el deporte. Deporte y actividad física para todos. Comité Olímpico Español, 11-28
  7. Verkhoshansky, Y. V. (1988). Programming and Organization of Training. Sportivny Press, Michigan